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Sobre o mercado de carros eletrificados no Brasil: desafios para consumidores, prestadores de serviço e mercado segurador

A busca por fontes de energia limpa tem impulsionado consideravelmente a compra de carros elétricos e híbridos no Brasil: segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), em 2022 foi registrado um novo recorde, com emplacamento de 49.245 veículos eletrificados – 41% a mais em relação ao ano anterior.
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Limitações de infraestrutura e de compreensão sobre níveis de exposição ao risco ainda predominam, mas a ascensão da tecnologia é inevitável e a busca por soluções também precisa avançar.

A busca por fontes de energia limpa tem impulsionado consideravelmente a compra de carros elétricos e híbridos no Brasil: segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), em 2022 foi registrado um novo recorde, com emplacamento de 49.245 veículos eletrificados – 41% a mais em relação ao ano anterior.

Mas a incipiência da tecnologia ainda traz uma série de limitações para o mercado – sobretudo no que diz respeito à abrangência de infraestrutura e compreensão do mercado segurador sobre níveis de exposição ao risco.

Até o momento essas limitações não causaram um impacto muito significativo, já que a frota circulante até 2022 alcançou 126.504 unidades, uma market share de apenas 2,5%. No entanto, já é possível antever uma transição inevitável – e mais rápida do que muitos imaginam.

Pelo menos 10 montadoras tradicionais já anunciaram intenção de que toda a linha fabricada, ou pelo menos boa parte dela, seja híbrida ou elétrica até 2030. Inclusive, já temos uma fábrica 100% especializada nessa tecnologia no Brasil.

Esse movimento mostra que o debate e a busca por soluções precisam avançar para superar os desafios no mesmo ritmo da evolução tecnológica. Nesse sentido, gostaria de explorar alguns tópicos que tendem a se tornar prioridade na pauta dos consumidores e do mercado segurador nos próximos anos.

1. O investimento inicial em carros eletrificados é maior.

À primeira vista, o preço de um carro eletrificado sinaliza um obstáculo à popularização da categoria no Brasil. De acordo com a ABVE, um modelo híbrido pode ser 30% mais caro em relação ao motor à combustão, enquanto um carro 100% elétrico chega a custar o dobro. Isso ocorre principalmente devido ao custo mais elevado das baterias EV.

No entanto, com a evolução da tecnologia e a maior produção em escala, espera-se que os preços se tornem cada vez mais competitivos. Além disso, existem incentivos fiscais e programas de financiamento com condições especiais para incentivar a adoção de tecnologias verdes, além de descontos em estacionamentos e pedágios.

No que diz respeito ao custo operacional, os modelos eletrificados apresentam vantagens significativas em relação ao custo de abastecimento e manutenção.

A ausência de um sistema de transmissão complexo e o uso de freios regenerativos fazem com que a demanda de manutenção seja menor. Já a energia elétrica é mais barata do que a gasolina: para percorrer 200km, por exemplo, um carro elétrico gastará entre R$15 e R$20 reais, enquanto o motor à combustão gasta, em média, R$120.

2. A infraestrutura de recarga ainda é tímida e os riscos ainda são desconhecidos.

Um dos principais desafios de infraestrutura para o avanço do mercado de carros elétricos no Brasil é a criação de uma rede de abastecimento ampla e eficiente.

Atualmente, o número de pontos de recarga é limitado: até 2022 foram registrados cerca de 3 mil eletropostos públicos e semipúblicos em operação, além da rede de recarga privada das concessionárias de veículos elétricos.

Mas a distribuição geográfica dos pontos de recarga é desigual: estão concentrados sobretudo nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, o que pode limitar a capacidade de realizar viagens mais longas.

Estas são as principais variáveis que interferem no avanço dessa rede:

  • Muitos locais não possuem a infraestrutura elétrica necessária para instalar pontos de recarga, o que pode exigir a realização de investimentos significativos em redes de distribuição elétrica, envolvendo outros atores – inclusive o poder público.
  • Os atuais modelos de eletropostos ainda são bastante limitados em termos de potência e tempo de recarga. Para melhorar a eficiência e torná-los mais convenientes, é preciso investir no aprimoramento de sistemas de carregamento rápido.
  • A falta de padronização dos sistemas de recarga pode dificultar o acesso a pontos de recarga compatíveis com cada veículo.
  • Com a rede é pequena, o nível de exposição ao risco dos eletropostos ainda é desconhecido, desencorajando o apetite das seguradoras.

3. A avaliação de riscos envolvendo carros eletrificados ainda é incerta.

Atualmente a maioria das seguradoras não oferece coberturas para carros elétricos, e as que não declinam cobram valores bastante altos mediante avaliação rígida de uma série de fatores.

Isso acontece porque o conhecimento de riscos potenciais desse mercado é limitado, dificultando uma análise precisa do custo de reparabilidade do veículo e a precificação do seguro de forma adequada.

Algumas questões ainda sem resposta clara dificultam a estruturação de uma proposta vantajosa tanto para as seguradoras quanto para o consumidor:

  • A bateria EV é uma das partes mais caras e sensíveis dos carros elétricos e pode custar de 30% a 50% do seu valor de mercado. Assim, os prejuízos em caso de acidentes podem ser mais significativos: o que seria caracterizada como perda parcial em um carro tradicional pode virar perda total no caso de um carro elétrico com a bateria danificada.
  • A avaliação do risco envolvendo baterias também deve levar em consideração o custo de reparo, bem como a necessidade de treinamento especializado para lidar com esse tipo de tecnologia. No entanto, como a maioria dos carros elétricos e híbridos ainda é fabricada no exterior, não há dimensão precisa sobre riscos mecânicos e elétricos, disponibilidade de peças e mão de obra para reparos seguros.
  • Os carros elétricos utilizam novas tecnologias, como baterias de alta voltagem e sistemas elétricos complexos, produzindo novos riscos que não existiam em carros à gasolina, como incêndios elétricos, curtos-circuitos e outros tipos de falhas.
  • Como os carros elétricos são relativamente novos no mercado, a falta de histórico de acidentes e danos dificulta estabelecer uma estimativa de sinistralidade confiável.

4. O mapeamento de riscos envolvendo eletropostos e pontos de recarga precisa ser aprofundado.

Os postos de combustíveis e pontos de recarga precisam garantir que seus equipamentos sejam seguros e atendam aos padrões de qualidade, a fim de evitar acidentes que possam prejudicar os usuários ou danificar os veículos.

No entanto, também nesse caso as seguradoras e os prestadores de serviço desconhecem a totalidade de riscos envolvidos.

Alguns exemplos de dúvidas recorrentes:

  • Qual é a probabilidade de dano na bateria do carro durante o abastecimento? Quem se responsabiliza?
  • Qual é o risco de um abastecimento feito de forma errada? Há riscos de explosão ou incêndio no local? Há riscos de imobilização e acidentes durante o uso? Como atribuir a responsabilidade?
  • Existe infraestrutura para suportar ocorrências de sobrecarga e superaquecimento? Qual a provável frequência e danos associados a esse risco?

Vale destacar que, no caso de postos de combustíveis tradicionais que desejam incorporar pontos de recarga, é preciso reavaliar as apólices vigentes de acordo com os novos riscos. E, mais uma vez, a falta de dados precisos pode encarecer muito o seguro e inviabilizar o negócio.

Nesse sentido, é importante que os prestadores sejam proativos na identificação e gestão dos riscos envolvidos, buscando o suporte de especialistas em segurança e de seguradoras especializadas nesse segmento.

5. Mais um fator para a avaliação de riscos em serviços da nova economia.

Recentemente a Uber anunciou a meta de alcançar uma frota 100% eletrificada no Canadá, Estados Unidos e Europa até 2030, e no restante do mundo até 2040. O iFood também já faz testes com motos elétricas e a tendência é que cada vez mais serviços de mobilidade da nova economia sigam com metas agressivas de descarbonização.

Como esses serviços costumam operar em regime de alta demanda, as motos e carros elétricos e híbridos são submetidos a um uso mais intenso, o que pode aumentar a probabilidade de acidentes e, consequentemente, de sinistros. Mas uma vez, o mercado segurador esbarra na falta de dados históricos para uma avaliação precisa dos riscos.

Outro desafio é a falta de padronização das políticas de segurança adotadas pelos serviços de transporte. Como cada empresa tem suas próprias regras e procedimentos, pode ser difícil avaliar a eficácia dessas políticas e o impacto que elas têm na redução dos novos riscos envolvidos.

Afinal, como podemos superar esses desafios?

Embora esse mercado não seja financeiramente vantajoso no momento, é fundamental que as seguradoras e prestadores de serviços olhem para o futuro desde já em busca de formas mais criativas e flexíveis de avaliação de riscos. Isso pode incluir o uso de novas tecnologias, como telemetria e inteligência artificial, para coletar dados e avaliar os riscos em tempo real.

Desse movimento depende a própria evolução do mercado, já que a viabilização dos negócios implica em cada vez mais prestadores de serviço atuando, popularizando a tecnologia e ganhando escala para torná-la cada vez mais acessível, como ocorre no ciclo natural de qualquer processo disruptivo.

Vale destacar que o trabalho conjunto entre todo o ecossistema, envolvendo prestadores de serviços, fabricantes de veículos e players do mercado segurador tende a facilitar esse trabalho.

Ainda, o benchmarking da gestão de riscos com países desenvolvidos que já estão mais avançados na expansão da frota eletrificada também será bastante útil para inspirar o desenvolvimento de novos produtos de seguros adaptados ao contexto de cada geografia.

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