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Mobilidade e Mercado de Trabalho

Entenda como as empresas estão repensando o trabalho presencial, descentralizando escritórios, oferecendo benefícios flexíveis e ampliando as fronteiras para atrair os melhores talentos
Business people working on computers as a team in office

Por que a questão da mobilidade urbana pode ser relevante para redefinir ofertas de valor no mercado de trabalho?

Entenda como as empresas estão repensando o trabalho presencial, descentralizando escritórios, oferecendo benefícios flexíveis e ampliando as fronteiras para atrair os melhores talentos

Décadas atrás, era comum as pessoas estruturarem todo um projeto de vida em torno da carreira e do emprego dos sonhos. Tinham como filosofia trabalhar e produzir, com uma remuneração atrativa para acumular patrimônio e garantir uma aposentadoria confortável.

Hoje, no entanto, a perspectiva de trabalhar em uma empresa que entrega satisfação, em uma posição de prestígio, com remuneração superior e um pacote de benefícios robusto já não é suficiente para brilhar os olhos de jovens talentos como antes – a menos que a oportunidade também atenda aos anseios de maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Nessa lógica, o bem-estar se tornou uma prioridade incompatível com horas de deslocamento em trânsito caótico para chegar à empresa.

Mesmo antes da pandemia de Covid-19 essa demanda já pressionava o mundo corporativo a repensar o trabalho presencial. Mas a crise sanitária impôs mudanças drásticas de estilo de vida e dinâmicas de mobilidade urbana de forma irreversível, catalisando uma revisão de valores generalizada.

Aprendemos que o home office pode cumprir, e até superar, os requisitos de produtividade enquanto presenteia o trabalhador com mais tempo disponível para a família, o lazer e a qualidade de vida – enfim, atividades e espaço que realmente importam para uma vida completa, com qualidade e propósito.

Com a desaceleração da pandemia e o retorno aos escritórios ainda há muitas dúvidas sobre vantagens e desvantagens de cada modalidade (remoto, híbrido e presencial), bem como caminhos para atender às necessidades da organização sem negligenciar as do funcionário.

Mais do que uma preocupação do RH, o debate vem ganhando relevância nos comitês executivos – até porque, em alguns casos, o modelo da oferta de trabalho pode alterar até mesmo o modelo de negócio, estrutura organizacional, custos e outras variáveis financeiras gerenciadas de perto por esse público.

A oferta de trabalho como oferta de valor

No universo do marketing, o termo “oferta de valor” não está relacionado diretamente ao preço de um produto ou serviço: na verdade, se refere ao conjunto de benefícios e vantagens que compõem uma proposta única e convincente para diferenciar a marca da concorrência. O objetivo é atrair e reter os clientes que representam uma determinada demanda de mercado.

Fazendo uma analogia com o mercado de trabalho, não é coincidência que o termo “cliente interno” vem sendo adotado para se referir à força de trabalho. Afinal, também nesse caso estamos falando de uma relação de oferta e demanda: a empresa quer a melhor força de trabalho possível e, para atraí-la, desenvolve uma proposta de valor adequada às suas exigências e necessidades.

É claro que, particularmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa lógica não se aplica a todas as posições. Temos uma grande massa de desempregados e mão de obra pouco qualificada com baixo poder de barganha para negociar condições contratuais. Mas, dependendo da natureza da atividade, apresentar diferenciais competitivos enquanto empregador pode ser decisivo para o sucesso de um negócio.

A melhor proposta de valor é hiper customizada

Ainda fazendo o paralelo entre marketing e RH, destacamos outra exigência fundamental do consumidor moderno que se desdobra no mercado de trabalho: a conveniência.

O cliente da era digital espera poder obter o que quer, quando e onde quer – e essa experiência hiper customizada é representada sobretudo por serviços on-demand, como streamings de conteúdo, e experiências da economia compartilhada, como os aplicativos de transporte e entrega, sem contar a personalização da experiência que aprende com nossos hábitos, preferências e rotinas. Quanto maior a capacidade de resolver problemas ou atender necessidades específicas e particulares, maior é a percepção de valor dessa oferta.

Então esse novo consumidor chega ao mercado de trabalho, que sempre envolveu uma relação de troca: tempo pelo salário, ou tempo pelo pacote de remuneração total. Mas, como o tempo tem um valor cada vez mais intangível, parte do pacote de remuneração total também precisa ser intangível, pago em bem-estar psicológico, satisfação no trabalho, qualidade de vida, dentre outros, em oposição à compensação financeira direta somente.

Ele também espera que o empregador o trate como um indivíduo que tem anseios e expectativas particulares, com uma proposta de valor única para suas necessidades. Isso significa que, se quiserem atrair os melhores talentos, as empresas terão que organizar suas estratégias de RH sob o pilar da flexibilidade física e cronológica, garantindo alternativas de trabalho remoto e autogerenciamento de horários para quem assim deseja – respeitando, claro, a natureza de cada tarefa.

Uma vez que as pessoas organizam toda a estrutura de vida em torno dessas alternativas, esse benefício não pode ser tratado como trivial – ele assegura ao colaborador praticamente o mesmo poder de escolha como consumidor. Em contrapartida, a organização tem um funcionário mais satisfeito e produtivo que também agrega valor à relação.

Considerando as novas dinâmicas de mobilidade, como criar uma oferta de valor atrativa para os colaboradores?

Para responder a essa pergunta, gostaríamos de compartilhar algumas tendências e experiências bem-sucedidas que podem inspirar essa jornada de transformação:  

1. Descentralização do trabalho em polos

É um fenômeno que vem ganhando cada vez mais força. Negócios antes centralizados em centros empresariais tradicionais estão construindo polos regionais em outras áreas, como a Zona Leste, Sul e centro da cidade, facilitando o acesso dos colaboradores e reduzindo o tempo gasto no trânsito.

Para tomar uma decisão estratégica nesse sentido, a empresa precisa mapear onde vive a sua força de trabalho. Por exemplo: se o escritório está localizado no centro de São Paulo e 35% dos colaboradores residem na Zona Norte, seria ideal ter uma parte da estrutura física nessa região, otimizando também os custos de infraestrutura, logística e transporte.

2. Novo conceito de facility com a economia compartilhada

Outra opção de descentralização de escritórios pode ser implementada utilizando coworkings. Essa estratégia elimina a responsabilidade dos colaboradores de proverem uma conexão de internet mais robusta e mobiliário ergonômico em casa, além de reduzir preocupações com o vazamento de dados – desde que os espaços tenham a infraestrutura de cibersegurança adequada.

Nesse sentido, já temos companhias estabelecendo parcerias com redes de coworkings que possuem polos distribuídos em diferentes locais, permitindo que os funcionários escolham onde desejam trabalhar para reduzir custos de deslocamento e de gestão de instalações.

3. Infraestrutura de suporte para as necessidades de deslocamento

Para organizações que optam por centralizar seus escritórios, o ideal é prover uma infraestrutura que atenda às necessidades de mobilidade dos funcionários, a fim de valorizar o espaço de trabalho e promover o senso de pertencimento.

Por exemplo: caso parte dos colaboradores prefira se deslocar de bicicleta em vez de outros modais, é importante identificar essa demanda e oferecer um estacionamento adequado.

Indo bastante além, hoje temos exemplos inspiradores como o do Mercado Livre, que transformou sua nova sede em uma estrutura impressionante, apelidada de "Melicidade".

O ambiente inclui um auditório para 200 pessoas, 140 salas de reunião, 11 salas de treinamento, além de benefícios como massagem, academia, manicure, biblioteca, restaurante, espaço de café e convivência, aulas de idiomas, entre outras comodidades. Tudo isso disponível no centro do ambiente de trabalho para ser acessado a qualquer momento, permitindo que os funcionários aproveitem melhor o tempo dentro do local.

Anteriormente, a equipe estava dividida entre três prédios diferentes em Alphaville, São Paulo, o que o Mercado Livre considerava prejudicial para a comunicação e integração entre as áreas. Para escolher a nova sede, os dados de localização das residências de cada colaborador foram cruzados e descobriu-se que Osasco era uma região acessível para todos – a média de deslocamento caiu de 33 para 17 quilômetros.

A ideia por trás dessas iniciativas é oferecer uma contrapartida de valor para compensar o trabalho presencial, tornando o home office naturalmente menos atrativo, ou o oposto.  

4. Benefícios flexíveis de acordo com a demanda de mobilidade

Essa abordagem reconhece que as necessidades de deslocamento dos colaboradores podem variar e busca fornecer opções personalizadas que atendam às suas necessidades individuais, como auxílio para uso de transporte público, subsídios para aplicativos de transporte ou até mesmo incentivos para a compra ou aluguel de bicicletas. Assim, cada indivíduo escolhe a que melhor se adequa ao seu estilo de vida e preferências.

A flexibilidade também pode se estender aos horários de trabalho para evitar horários de pico no trânsito e otimizar o deslocamento das equipes.

5. Ampliação das fronteiras na busca por novos talentos

Com a ausência de barreiras geográficas, agora é possível acessar profissionais altamente qualificados que podem estar localizados fora dos grandes centros urbanos ou em outros países e não desejam se mudar, possibilitando formatos de contratação flexíveis com custos médios menores.

As empresas também têm considerado a dimensão social nesse processo, criando programas de formação e capacitação em regiões menos privilegiadas para preparar uma força de trabalho local mais qualificada.

Lembre-se: não existe uma abordagem única que funcione em todos os casos

Mesmo nesse cenário de transformação, algumas big techs, como Google e Apple, têm entendido que o componente mais poderoso da sua oferta de valor é a própria marca empregadora. Elas exigem 100% de trabalho presencial e ainda assim polarizam a mão de obra mais especializada porque as pessoas aspiram o sobrenome no currículo.

Embora possa parecer um contraponto às tendências atuais, o exemplo destaca a importância de adaptar as políticas de RH e benefícios de acordo com a realidade cultural e financeira de cada empresa.

Seja qual for o caminho escolhido, considere sempre que as ofertas conservadoras já não se sustentam: ressignificar o conceito tradicional de escritório é um caminho sem volta. A agenda e o ambiente de trabalho devem ser reestruturados para justificar o deslocamento e proporcionar uma experiência enriquecedora para ambas as partes.

 

Caso contrário, a retenção de talentos será fatalmente temporária, até que eles atinjam um determinado objetivo e partam em busca novas oportunidades que correspondam às suas necessidades de propósito, bem-estar e felicidade.

Encontrar o equilíbrio e exercer bom senso nessa avaliação é essencial para garantir uma abordagem saudável e eficaz na condução do processo, que permanecerá em constante evolução.

 

Autores:

Odete Queiros

Odete Queiros

Superintendente Consumer da Marsh Brasil

Rafael Ricarte

Rafael Ricarte

Career Products Leader Brazil